Desculpas não são suficientes para apagar as consequências de um erro grave de informação
A morte da jovem Gabriela Anelli, 23, antes do jogo entre Palmeiras e Flamengo, pela 14ª rodada do Brasileirão, ressuscitou velhos debates sobre a violência no futebol. Na semana passada, neste mesmo espaço, falei que não há como tirar o esporte da sociedade. Se vivemos em um país que teve mais de 40 mil homicídios em 2022, segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, evidentemente que haverá torcedores violentos circulando pelos estádios e suas redondezas, ou até mesmo, em ruas a quilômetros de distância das praças esportivas.
As pessoas insistem em separar torcedores em um grupo alheio à comunidade. Da mesma forma que fazem com os políticos. E tal atitude, no meu ponto de vista, impede que a gente ataque o problema de maneira assertiva. Não adianta proibir que as pessoas circulem com uniformes de torcida organizada ou o acesso de torcedores visitantes aos estádios. A história já mostrou que brigas podem acontecer em quaisquer locais, inclusive, sendo combinadas com antecedência por redes sociais ou aplicativos de mensagens.
Em outras palavras, se quisermos diminuir a violência no futebol, temos que, primeiro, combatê-la no dia a dia. Porque, se formos analisar friamente, o medo que as pessoas enfrentam para ir ao estádio não é diferente do temor que sentimos todos os dias, andando pelas ruas das grandes cidades. Ou você que me lê agora se sente seguro no trajeto casa-trabalho/trabalho-casa?
Depois de dar minha opinião de centavos sobre como podemos evitar mortes como a da Gabriela, gostaria de falar sobre o jornalista Tiago Leifert. E, acreditem, há uma conexão entre ambas as coisas.
Não é de hoje que Leifert critica as organizadas e faz comentários que incentivam o esvaziamento dos estádios. Embora não concorde com sua visão sobre tais assuntos, ele tem todo o direito de emiti-la. Não há crime nenhum nisso.
No entanto, obviamente, por ser um formador de opinião e ter muita visibilidade, lamento que propague algo que não acredito. Mas é do jogo conviver com as diferenças. Agora, o que não é do jogo e inadmissível é a narrativa contada por ele sobre a morte de Gabriela. Ao dizer que alguns torcedores palmeirenses ficam em um ponto estratégico, próximo ao estádio, só para arrumar confusão, Leifert não está opinando sobre nada. Ele está acusando alguém ou alguns. E o pior: fazendo com que muitas pessoas acreditem nisso, sem nenhum tipo de colaboração para findar ou amenizar a violência entre torcedores – rivais ou não – e outros atores envolvidos no futebol (policiais, jogadores, membros de comissões técnicas, dirigentes, jornalistas, etc). Sabe por quê? Porque foi um discurso cheio de inconsistências, enviesado por sua visão tacanha sobre a cultura de arquibancada. Para ele, Gabriela, com seus 23 anos, escolheu a morte. Falou isso baseado somente nas vozes da sua cabeça.
Não sou palmeirense, mas já fui ao antigo Parque Antártica e ao atual Allianz Parque algumas vezes. Nunca vi algo parecido como o sugerido pelo jornalista.
Termino o texto lamentando que Leifert tenha usado seu poder de alcance para confundir e não para debater com profundidade as verdadeiras causas das mortes violentas, que acontecem diariamente em nosso país.
Pedir desculpas e se retratar era o mínimo que o Leifert poderia ter feito. Uma pena que a desinformação já foi espalhada. E sua fala condiz exatamente com o pensamento que expõe há anos.
*Vinícius Bacelar é jornalista, formado pela Universidade São Judas Tadeu, acumula passagens por algumas das principais redações do Brasil, como Agora S.Paulo, Folha de S. Paulo, R7 e UOL. Também foi editor do Metrô News. Como assessor de imprensa atuou nas eleições municipais de Guarulhos de 2016. Posteriormente, atendeu o Esporte Clube Água Santa, o Bangu Atlético Clube e o Boston City FC Brasil, além de atletas, técnicos e dirigentes.