Médica defendeu que não há mais dúvidas de que o medicamento não é viável no tratamento contra a covid-19
Com posição notória contrária ao uso de cloroquina e hidroxicloroquina como tratamento contra o coronavírus, a médica infectologista epidemiologista Luana Araújo, que chegou a ser anunciada em 12 de maio pelo titular da Saúde, Marcelo Queiroga, para assumir o cargo de secretária extraordinária de Enfrentamento à Covid-19, afirmou em depoimento à CPI da Pandemia, nesta quarta-feira (2), ter sido informada pelo próprio ministro, após dez dias de trabalho no ministério, que seu nome não teria aval da Casa Civil.
Graduada na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e epidemiologista mestra em saúde pública pela Universidade John Hopkins, nos Estados Unidos, a consultora em saúde pública para organizações internacionais garantiu que não foi lhe explicado os motivos da não aprovação de seu nome para a pasta.
A médica explicou que a secretaria faz parte de uma estrutura e foi criada para coordenar os esforços do governo federal relativos à pandemia, auxiliar na interlocução com estados e municípios, além de concatenar as sociedades científicas nacionais e internacionais no suporte aos esforços brasileiros no combate à covid-19.
“A secretaria tem por objetivo maior dar agilidade e precisão às informações sobre a pandemia para que os gestores tenham condição de lidar melhor com o que está acontecendo. Então, a minha função e o meu desejo naquela secretaria era que ela funcionasse como um antecipador de problemas”, disse a médica.
Ao destacar em sua apresentação que de ontem para hoje 12 grandes aviões lotados caíram no país, em referência às mortes pela covid-19, Luana enfatizou que saúde pública é muito mais que médicos e hospitais e que a discussão sobre o que chamou de “pseudo tratamento precoce” é “esdrúxula”. Ela afirmou ainda que não se pode imputar sofrimento e morte a uma população para se alcançar a imunidade de rebanho.
Defendeu que o Ministério da Saúde tenha uma ação pró-ativa e não reativa, com abordagem precoce dos pacientes. Padrão ouro de testagem no país, o chamado teste PCR, pelas dificuldades técnicas, leva muito tempo para conferir resposta, e com isso se perde a oportunidade de interrupção da cadeia da doença, segundo a médica.
Luana negou ter conversado com Queiroga ou qualquer outra pessoa no ministério sobre cloroquina e outros medicamentos.
“Quando eu disse que um ano atrás nós estávamos na vanguarda da estupidez mundial, eu infelizmente ainda mantenho isso em vários aspectos, porque nós ainda estamos aqui discutindo uma coisa que não tem cabimento. É como se a gente estivesse escolhendo de que borda da Terra plana a gente vai pular, não tem lógica”, afirmou Luana.
Questionada pelo relator da CPI, senador Renan Calheiros (MDB-AL), se haveria relação da reprovação de seu nome — manifestado com entusiasmo por Queiroga — por conta do posicionamento contrário ao uso desses medicamentos, notoriamente defendidos pelo presidente Jair Bolsonaro, Luana disse que “se isso aconteceu, é extremamente lamentável, trágico”.
“Eu abri mão de muitas coisas pela chance de ajudar o meu país. Não precisava ter feito isso. Os senhores [senadores] acham que as pessoas, de fato, que têm interesse em ajudar o país e competência a fazer isso, neste momento, se sentem muito compelidas a aceitar esse desafio? Não se sentem. Então, infelizmente, a gente está perdendo”, afirmou.
A médica, que disse sofrer diversas ameaças, afirmou haver estudos randomizados que mostram aumento de mortalidade com o uso de cloroquina e hidroxicloroquina e que é preciso haver responsabilização por quem o propaga.
“Quando a gente transforma isso em uma decisão pessoal é uma coisa, quando você transforma isso numa política pública é outra. A autonomia médica faz parte da nossa prática, mas não é licença para experimentação. A autonomia precisa ser defendida sim, mas ela precisa ser defendida com base em alguns pilares: no pilar do conhecimento, da plausibilidade teórica do uso daquela medicação, do volume de conhecimento científico acumulado até aquele momento sobre aquele assunto, no pilar da ética e no pilar da responsabilização”, explicou.
Para o presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM), a não nomeação de Luana foi uma questão política, por ela não compactuar com o uso da cloroquina no tratamento da covid.
“É inacreditável que alguém formada por uma das melhores universidades do mundo seja vetada. O ministro Queiroga disse aqui pra nós que teria autonomia pra nomear quem ele quisesse. Já está provado que não é verdade, ele mentiu aqui pra gente”, expôs o presidente.
O senador Marcos Rogério (DEM-RO) questionou a “histeria no âmbito do Parlamento” sobre nomeações.
“É inquestionável a qualificação técnica da doutora Luana. Apesar da estranheza, todos sabem que em nenhum poder Executivo existem nomeações automáticas. Nos municípios são feitas pelos prefeitos e nos estados e no governo federal pela Casa Civil. Não é razoável querer criminalizar. Há uma liberdade plena para nomear”, defendeu o governista.
Depoimentos anteriores
Divergências sobre o uso da cloroquina em pacientes com covid-19, amplamente defendia pelo presidente Jair Bolsonaro, também pesaram na decisão de saída do Ministério da Saúde dos ex-titulares da pasta Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich, conforme depoimentos prestados à CPI nos dias 4 e 5 de maio, respectivamente.
Teich explicou que a cloroquina é uma droga com efeitos colaterais de risco, sem dados concretos sobre seus reais benefícios, e havia ainda preocupação com o uso indiscriminado e indevido por parte da população.
Em depoimento à CPI no dia 6 de maio, Queiroga, que foi reconvocado pelo colegiado e deve ser ouvido na próxima terça-feira (8), não respondeu se concorda com o uso de cloroquina como “tratamento precoce” contra a covid-19, mas reconheceu que o uso indiscriminado do medicamento pode causar arritmia cardíaca.
Fonte: Agência Senado