Nos últimos dias diversos canais têm noticiado* que a Justiça de São Paulo mandou a Sony desbloquear um Playstation 5 supostamente banido por violação dos termos de uso pelo usuário, proprietário do console que lhe custou um valor considerável, cerca de R$ 5 mil.
A notícia repercutiu surgindo o questionamento do título da coluna de hoje, ou mais precisamente: o banimento do console pela fabricante, em razão de violação das políticas de uso, é ilegal?
Primeiro é preciso compreender que uma pessoa, ao adquirir um Console de Videogame, adquire um bem físico, ou seja, um bem material tangível, além disso, para poder usufruir plenamente do console o proprietário também cria uma conta junto ao fabricante, para poder usufruir dos serviços intangíveis prestados por ela e por terceiros, tornando-se também um usuário.
Logo há diversas relações jurídicas implícitas no mesmo fato, o proprietário do console é também usuário dos serviços, já a fabricante é também distribuidora do console e prestadora de serviços próprios e de terceiros.
É importante notar que o console físico, sem associação a alguma conta de usuário, tem o seu uso e utilidade reduzidos significativamente, vez que sem isso o console não pode baixar jogos, atualizações e nem interagir com outros usuários e nem beneficiar-se dos serviços pagos ou gratuitos oferecidos, com isso o valor de mercado do console cai drasticamente.
A Fabricante, diante de uma infração a sua política de uso por parte do usuário, ao banir um console, impede que ele tenha qualquer conta de usuário vinculada, assim, o console, bem tangível de valor significativo, sofre diminuição de seu preço de mercado, de sua utilidade e por consequência seu uso.
Entretanto, deve-se destacar que quem cometeu a infração foi o usuário, ou seja, na hipótese de a fabricante punir a infração, quem deve ser punido é o usuário e não o console. Explico:
Na legislação brasileira há o sujeito de direito, pessoas físicas ou jurídicas e os entes despersonalizados que detém direitos e podem contrair obrigações como, por exemplo eu, você, o GRU Diário e o condomínio onde talvez você more.
Em contrapartida, há também os objetos de direito, as “coisas” que, muito embora possa haver regulamentação sobre elas, não podem ter direitos e nem podem contrair obrigações. O melhor exemplo de objeto de direito é o carro.
O carro é um objeto de direito por excelência, somente quem tem habilitação pode dirigi-lo, para circular deve observar diversas regras de segurança, sua propriedade dá ensejo ao pagamento de tributo, mas nunca, nunca mesmo, um carro será condenado a pagar uma multa, pois quem paga a multa é seu condutor/proprietário que é o infrator e também sujeito de direitos e obrigações.
Da mesma forma acontece com o banimento do console, se quem comete a infração é o usuário, o console não deve ser penalizado, vez que não é sujeito de direito e obrigações.
Além disso, sabe-se que um console de videogame é um bem utilizado no seio familiar, é muito incomum que apenas uma pessoa utilize o console, mesmo que eventualmente.
Essa consideração é importante, pois no Brasil há um princípio constitucional chamado de “Principio da Intranscendência da Pena”, segundo ele nenhuma punição pode passar da pessoa do infrator, assim, se um usuário “A” comete uma infração, a pena imposta não deve atingir outros usuários que não tenham cometido a infração.
Assim, ao banir o console a fabricante penaliza todos os usuários dele, seja habituais, eventuais ou mesmo futuros, logo há uma violação constitucional aqui.
Até aqui falei apenas do banimento em relação ao usuário dos produtos e serviços, mas há também uma relação de propriedade, pois ao adquirir o console o consumidor torna-se proprietário do bem, cujo valor é significativamente alto para os padrões do “homem médio”.
Ao banir um console a fabricante impede o pleno exercício do direito de propriedade, pois diminui o uso e a fruição do bem, vez que o console fica impedido de acessar a internet, inviabilizando interação entre usuários, acesso aos diversos jogos e atualizações que visam melhorar a performance do console. Além disso, há a diminuição do valor de mercado, logo, depreciação patrimonial em decorrência da ação da fabricante.
Para que se possa impedir o exercício pleno da propriedade deve-se observar o devido processo legal, notadamente o contraditório, direito de defender-se, e a também a ampla defesa, direito de produzir todas as provas necessárias a defesa de seus direitos.
Conclui-se, portanto, que o banimento do console, por ignorar o devido processo legal, violou o direito de propriedade previsto na Constituição Federal.
Finalmente, observe-se que a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), dentre várias disposições, determina que qualquer penalidade aplicada no tratamento de dados pessoais deve ser comunicada previamente, de forma clara e objetiva, oportunizando ao infrator o direito de defesa.
Já o Código de Defesa do Consumidor (CDC), dispõe que qualquer clausula contratual que imponha ônus excessivo ao consumidor é nula, assim, conclui-se que o banimento do console por violação aos termos de serviço pode ser considerado abusivo.
Contudo, muito embora a tudo leve a crer que o banimento do console é ilegal, é preciso esclarecer que ilegal é tudo aquilo que é contra a lei, parece redundância, mas não é, pois é preciso haver lei expressa descrevendo a conduta, proibindo e penalizando, caso contrário será necessário levar a discussão ao judiciário para resolução.
Portanto, encerro a extensa coluna de hoje concluindo que não há lei expressa proibindo o banimento do console em razão de infração cometida pelo usuário, logo é necessário judicializar a questão para que haja uma decisão judicial dirimindo se a conduta foi realmente ilegal e quais as consequências dela.
Caso ache que no seu caso o bloqueio foi ilegal ou mesmo esteja na dúvida, consulte seu advogado, pois ele irá analisar seu caso e concluir pela melhor medida judicial ou extrajudicial.
* https://grudiario.com.br/justica-de-sao-paulo-manda-sony-reativar-ps5-banido/
**Marcelo Silva Tomé tem 40 anos, é casado e tem duas filhas. É advogado e consultor jurídico formado pela Universidade São Judas Tadeu, Pós-graduado em Direito e Processo Tributário pela Faculdade Legale, atua nas áreas de direito cível e empresarial, idealizador da iniciativa “SeuBomAdvogado.com” que visa produzir conteúdo jurídico de qualidade direcionada ao público em geral, com linguagem simples e descomplicada.