Associação de moradores diz que é necessário que clientes façam valer a execução da sentença. Imobiliária afirma que reintegrações ocorrem por ordens judiciais e em áreas de invasão
A 3ª Câmara de Direito Privado do TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo) negou recurso movido pela Imobiliária Continental contra uma decisão da 2ª Vara da Fazenda Pública de Guarulhos que proíbe a instituição de vender e de reintegrar lotes no Parque Continental por meio da suspensão de cláusulas contratuais até a regularização do loteamento, como ações de reintegração de posse.
Aproximadamente 15 mil famílias teriam adquiridos lotes deste projeto da imobiliária Continental. Vale ressaltar que a decisão não suspende o pagamentos das parcelas, que deve ser mantido em juízo.
A decisão em primeira instância foi emitida no dia 28 de setembro de 2021 em decorrência de uma denúncia feita pela Iacon (Instituto Associativo Continental) ao Ministério Público do Estado de São Paulo, formada por clientes que adquiriram lotes com a imobiliária.
Já a negativa do recurso impetrado pela imobiliária teve o acórdão publicado no dia 26 de março de 2024.
O problema judicial ocorre porque a decisão faz referência a um alvará para implantação do Loteamento no Parque Continental em outubro de 1979, levado a registro no Cartório de Imóveis em fevereiro de 1980, sendo que a aprovação ocorre para a divisão de um terreno de 3.587.502,95m2 em 7.452 lotes com área mínima de 250m2.
Mediante um Termo de Ajuste de Conduta, a imobiliária conseguiu o alvará de liberação para implantação dos lotes e se comprometeu a adequar o projeto apresentado aos requisitos legais e realizar obras de infraestrutura, caso contrário o documento poderia ser cassado.
Entretanto, segundo o Ministério Público e documentos apresentados pela Iacon, ocorreram “irregularidades no cumprimento do termo de acordo celebrado e em virtude da ré ter realizado loteamento de forma irregular, ao arrepio da Lei no 6.766/79, e, como ter comercializado os respectivos lotes; tê-los comercializado sem registro; não ter informado aos adquirentes acerca irregularidade do empreendimento; não ter realizado as obras mínimas de infraestrutura; ter comercializado “meio-lote” com desdobro irregular de 125m2 em cada fração, o que impede o registro posterior; não ter adotado contrato padrão; ter abusado das cláusulas contratuais”.
No recurso apresentado, a imobiliária tentou deslegitimar o MP ao afirmar que a instituição não tinha legitimidade para mover uma ação em prol dos interesses de clientes inadimplentes, o que foi rechaçado pelo TJ-SP, que afirmou que há legitimidade constitucional e infraconstitucional do MP para realizar ações civis públicas em detrimento de interesses coletivos.
No acórdão, o TJ-SP ressalta que a imobiliária realmente não cumpriu com o que foi combinado no TAC junto ao MP e concorda que houve o desdobro irregular dos terrenos.
“Tal prática, como bem ventilada pela Promotora de Justiça Roberta Tonini Quaresma, não só implica em afronta a ato administrativo vinculado, como impossibilita o posterior registro do imóvel na medida em que apenas há matrícula para o lote inteiro. Ademais, causa impacto à ordem urbanística, acarretando dano sistemático e difuso à ordenação e controle do uso do solo, à infraestrutura urbana, à segurança e bem-estar dos cidadãos, bem como ao equilíbrio ambiental”, diz trecho do acórdão.
Apesar da decisão, a imobiliária, de acordo com a Iacon, continua a realizar ações de reintegrações de posse na região.
A Continental, porém, nega que tenha vendido lotes em área sem infraestrutura e afirmou que irá recorrer da decisão.
A imobiliária, em nota, argumentou que toda e qualquer reintegração de posse é determinada por ordem judicial, após o tramite do processo judicial que rescinde o contrato, em razão da inadimplência e que a ordem judicial de reintegração de posse proferida em processo autônomo será cumprida.
“A decisão determina que, aqueles que entendem que, a ausência de regularização do loteamento, de alguma forma, lhe cause prejuízo, realizem o depósito das parcelas em juízo, com os consectários do contrato, de forma a evitar a inadimplência, suspendendo assim, as cláusulas que permitem a rescisão do contrato e, consequentemente, a reintegração. Cada caso será analizado individualmente pelo juiz.
Em abril de 2022, um ato foi realizado para conscientizar pessoas que são alvo de ações de reintegração de posse por parte da imobiliária no Continental que podem ser evitadas com base na decisão judicial emitida em 2021.
Para o presidente de honra da Iacon, Marcelo Lorezini, é preciso fazer valer a execução da sentença para que as pessoas consigam manter sua moradia.
“O Remédio Jurídico foi criado e foi novamente validado pelo TJSP, agora cabe aos compradores e moradores utilizarem este antídoto”, afirmou Lorenzini.
Segundo Lorenzini, é importante que o poder público também contribua para que se possa fazer valer a decisão.
“Deve ser observado que estamos em mais um ano eleitoral e a associação, moradores e munícipes fizeram a sua parte. E agora, os governantes e candidatos como se manifestam para para utilizar esta sentença para solucionar os problemas que envolvem a Imobiliária e Construtora Continental na cidade de Guarulhos?“, cobrou Lorenzini.
Entretanto, a imobiliária afirmou que, de forma equivocada, tem-se pretendido evitar as reintegrações de posse que decorrem de invasão de propriedade, facultando da decisão, que diz respeito exclusivamente a compra e venda de lotes.
“A presente ação não discute invasão de propriedade privada. O Poder Judiciário não autoriza a inadimplência e tampouco dá guarida a invasão de propriedade”, ressaltou a imobiliária Continental.
Sobre possíveis acordos com clientes inadimplentes, a imobiliária afirmou que mantem as portas abertas para firmar acordo com compradores que estejam interessados em regularizar a situação.