Aeroporto de Guarulhos é um dos mais procurados pelos observadores da aviação
Se você já viu alguém nas proximidades ou mesmo dentro do Aeroporto Internacional de Guarulhos, em Cumbica, fazendo foto de aviões, é possível que você tenha presenciado um spotter, algo similar a um paparazzi, só da aviação.
A Infraero define como spotting o hobby de fotografar diferentes modelos de aeronaves durante pousos, decolagens e estruturas de aeroportos, e isso não ocorre somente em Guarulhos, mas em aeroportos de todo o mundo. No caso da aviação, o termo mais específico é plane spotter.

O GRU Diário conversou com três spotters que já frequentaram diversos aeroportos para fotografar e filmar aeronaves raras, ou não, e que relataram as aventuras, as dificuldades, manhas e até os “dibres” que tomaram de alguns aviões que esperavam para fazer o registro fotográfico.
Vale ressaltar que os spotters não necessariamente são aqueles que filmam ou fotografam. Há também aqueles que apenas anotam as matrículas do avião ou mesmo que só observam.
Os Spotters
Fabio Passalacqua – FMP Aviation/Rao Spotter

O primeiro entrevistado pelo GRU Diário foi Fabio Passalacqua. Se você tem interesse neste tipo de hobby, com certeza você já viu algum texto deste portal que trouxe um vídeo do canal do Fábio no Youtube, o FMP Aviation. Um dos registros que mais causou alvoroço aqui foi a passagem do Boeing C-17 Globemaster, da Força Aérea dos Estados Unidos, que pousou em Guarulhos sem motivo revelado.
O Fabio tem 23 anos e também é o fundador das páginas Rao Spotter e FMP Spotter no Instagram, sendo que a primeira tem mais de 16 mil seguidores e foca apenas no Aeroporto Estadual Doutor Leite Lopes, em Ribeirão Preto, onde ele nasceu.
“Criei a página de bobeira. Pensei: tantos aeroportos tem uma página de spotting. Guarulhos tem, Recife tem, Minas tem. Comecei a fazer, não entendia de edição, não entendia muita coisa. Hoje eu o André e mais um amigo nosso, o Dotto, fazemos parte da página e sempre que podemos estamos lá registrando o movimento do nosso aeroporto.”, contou Fabio sobre a página Rao Spotter.
O Fábio contou à reportagem que gosta de aviação desde pequeno e, além de spotter, ele também coleciona miniaturas e maquetes de aviões, um hobby que divide com o pai e que tem alguns de seus vídeos compartilhados em seu canal.
Gisele Orquídea – @giseleorquidea

A Gisele Orquídea, 38 anos, começou sua paixão pela aviação ainda pequena quando morava na casa da avó, no Tatuapé, e se considerava uma observadora de céu.
“Foi um ex-namorado meu que me disse que isso tinha nome, se chamava aviação, e que tinha todo um mundo de pessoas que trabalhavam, falavam e viviam isso”, disse Gisele.
O namoro não foi adiante, mas a paixão pela aviação continuou. Ela pensou em fazer um curso de piloto, mas acabou por cursar Biologia e para não se afastar da aviação decidiu ter como hobby a arte de fotografar aviões.
Gisele já viajou diversos lugares e tem uma forte paixão pela aviação militar, tendo entre seus eventos favoritos o Dia da Independência, celebrado em 7 de setembro, em Brasília, quando os caças fazem uma série de manobras no ar.
No dia 31 de dezembro do ano passado, enquanto muitos esperavam a passagem para o Ano Novo, ela e o André Martins (o próximo spotter entrevistado pela reportagem) estavam no Aeroporto de Viracopos, em Campinas, à espera de um avião modelo McDonnell Douglas MD-11.
O dia estava chuvoso e, à espera do avião que podia chegar a qualquer momento, Gisele aguardava no carro. A passagem rendeu um dos registros mais marcantes feitos por ela. Por conta do mau tempo, o avião acabou por não pousar e arremeteu para Guarulhos. O vídeo deste registro pode ser visto no Instagram da Gisele (clique aqui para acessar), onde ela divulga seu amor pela aviação e reúne mais de 3,5 mil seguidores.

O vídeo desse registro soma mais de 30 mil visualizações e arrancou uma série de comentários. Embora fosse um voo de carga, muitas pessoas não entenderam que se tratava de uma manobra normal e, após o vídeo ser compartilhado em um outra página, algumas pessoas acreditavam que houve um “livramento” que poupou muitas vidas.
“Eu fiquei ensopada durante o registro. Foi um dos momentos que me deu uma das visões mais legais que eu tive. Um dos portais compartilhou meu perfil e vídeo e apareceram muitos comentários que não tinham nada a ver com o que aconteceu. Muitas pessoas falando, por exemplo, que Deus livrou a alma destas pessoas, e só tinha piloto e copiloto, era um cargueiro, em uma manobra normal”, contou Gisele.
André Martins – Rao Spotter/Andre.mar.tins

O André Martins, 33 anos, conta que sua relação com a aviação começou quanto ele tinha 3 anos na cidade de Votuporanga, no interior de São Paulo, que tem um aeroporto local com toda estrutura e aeroclubes, mas sem voos comerciais. As lembranças que têm da infância são da época em que o pai o levava para ver os aviões.

Mas foi em Ribeirão Preto que ele começou a efetivamente fazer fotos de avião. Entretanto, foi quando um amigo fotógrafo lhe deu uma câmera profissional que ele começou a ir além e a fazer cada vez mais parte do mundo do spotting.
“A partir do momento que eu tive uma câmera na mão eu comecei a expandir esse conhecimento sobre spotting e fui descobrindo o que era o spotting. Comecei a fazer contatos, conhecer pessoas e isso foi me levando a São Paulo. Eu, particularmente, publico minhas fotos só no Instagram. Tenho amigos, tenho network, é uma rede que eu gosto bastante. Eu estou em Ribeirão, mas a maioria das minhas fotos é de Guarulhos”, explicou.

O André atualmente trabalha no setor administrativo de uma companhia aérea, mas contou que ainda tem vontade de ser piloto.
Estratégias, tecnologias, aventuras e perreios dos spottings

Se você chegou a ler até aqui e acha que quem faz spotting tem livre acesso aos aeroportos, sinto lhe dizer, mas você está enganado.
Embora os spotters tenham sido cada vez mais reconhecidos pelas companhias e pelas administradoras de aeroportos, não há tantos eventos que sejam organizados por conta da pandemia. E se engana também quem pensa que a pandemia tenha sido tão prejudicial aos spotters por ter paralisado os voos domésticos e internacionais de passageiros.
Todos os spotters entrevistados pelo GRU Diário contaram que em contrapartida houve uma grande variedade de aviões cargueiros e até de voos de repatriação com aviões que antes nunca passaram pelo País.
“Uma empresa do Afeganistão operou três voos de carga no Brasil com um avião muito raro. Para a gente fotografar teria que ir até Istambul, lugares distantes ou muito remotos, em que o acesso do Brasil não é direto. Ele veio para Campinas e duas vezes para o Cabo Frio, avião bem diferente e bem raro”, contou Fabio.
Ainda na pandemia houve a estreia da ITA Transportes Aéreos, braço aéreo da Itapemirim, que bombou nos vídeos registrados pelo canal do Fabio. Em Brasília, a administradora chegou a fazer um Spotter Day no período em um dos aviões amarelinhos passou por lá.
“Quando eu coloquei o vídeo no canal ele começou a bombar mesmo sem muita divulgação. Eu fiz imagens do voo de certificação em Guarulhos e no Rio, no Aeroporto de Galeão. O segundo eu realmente não divulguei e quando coloquei no ar já começou a engrenar”, contou Fabio.
O André, que estava com ele no dia para fotografar o Airbus A320 da ITA, afirmou que há uma explicação para o interesse na Itapemirim.
“É uma companhia nova, que já era conhecida e que alça novos voos, literalmente. São novos aviões, novos voos, novas perspectivas. Tudo isso desperta o interesse do público”, explicou André Martins.

Mas você que lê esta matéria, deve estar se pergutando: “Mas de onde eles fazem as fotos?”
“Os primeiros locais que a gente vai buscar são mais onde pode se ver as cabeceiras da pista, no entorno dos aeroportos, onde o avião está pousando ou decolando para ter uma visão melhor”, conta André Martins.
A Gisele, que é uma das poucas mulheres no mundo spotter, contou ao GRU Diário que, no caso de Guarulhos, há até um local chamado morrinho GRU Airport (é só pesquisar no Google que você acha).
Localizado no São João, o morrinho não tem banheiro, venda de comida ou nada do tipo, na verdade, se houvesse este tipo de serviço as dezenas de spotters que passam por estes locais seriam muito mais felizes.
“Se você é mulher e precisa ficar ali para ver um avião, você com certeza pode ficar até Sete horas sem sair pra comer, bebendo pouca água porque não tem banheiro por lá. Claro que a gente se prepara, mas qualquer momento que você para ou sai para fazer alguma coisa é o momento que pode passar um dos aviões mais esperados”, contou Gisele.
A tecnologia hoje é uma aliada muito grande dos spotters. No começo deste hobby, quando as câmeras ainda exigiam filmes a serem revelados e ter um conjunto de mais de 30 fotos era um luxo, era muito mais difícil de se fazer imagens.

“Muitas vezes você tinha 36 possibilidades de fotos que você tinha de guardar para durar vários dias. Hoje um cartão de memória salva milhares de fotos, o que é ótimo”, disse Gisele.
Todos os spotters entrevistados contaram que usam aplicativos que monitoram e mostram as rotas de voos, inclusive de Guarulhos. Aplicativos como Flight Radar e Radar Box permitem que eles saibam quando um avião vai pousar ou decolar de determinado lugar.

É claro que no meio disso, há quem prefira ser mais old school e considerar que existe um modelo típico de fotografia, que mostre toda a lateral de um avião, mas hoje em dia, com tantas possibilidades, todo registro é válido. A Gisele contou, porém, que para registro muitas pessoas preferem o inverno, com um por do sol que ilumina proporcionalmente todo o avião, já que no verão muitas vezes há mais sombra do que luz.
Mesmo com tanta tecnologia, é possível que você tome um “dibre”, e chegou a hora de falar sobre momento amargo que um spotter pode viver.
Afinal de contas, o que é um “dibre” em um spotter?

A grafia incorreta que se tornou um termo informal no futebol é utilizada pelos spotters para definir aquele momento em que se espera que um avião chegue em determinado local e ele simplesmente desvia o trajeto e decida pousar em outra pista ou mesmo seja cancelado.
“O ‘dibre’ é inerente ao spotting“, diz André Martins.
Esporadicamente, o “dibre” pode ocorrer por uma falha humana também, como quando a Gisele, sempre preparada, exceto naquele dia, esqueceu o cartão SD da câmera e queria muito fotografar um avião cargueiro da Plus Ultra e mesmo comprando um SD naquele dia, ele veio com defeito e ela não conseguiu fotografá-lo. Anos depois ela conseguiu finalmente fotografar o avião, que é este que está na foto a seguir

O “dibre” pode ser ainda aquele avião que você viu na infância, caso do Fokker 100 das memórias do André, que raramente fará voos ao Brasil novamente.
Spotting dá dinheiro?
A reportagem questionou os três spotters entrevistados se é possível viver deste hobby. Todos disseram que possível é, mas que é muito complicado.
Existem canais e revistas especializados em aviação, mas a competição e as exigências são muito grandes.
O Fábio afirma que seu canal ainda está em crescimento e tem muito a evoluir.
Já o André conta que teve algumas experiências raras em alguns eventos e que algumas pessoas até lhe perguntaram se ele tinha tirado foto de um avião específico e quiseram comprar o registro.

A Gisele afirma que não liga para a remuneração e nem para a competição que alguns spotters fazem entre si, ela está ali pela paixão mesmo.
Esta reportagem está chegando ao fim, mas se quiser ver e saber mais além dela, basta clicar nos links nos perfis dos spotters para conhecer o trabalho deles.