Confira artigo de Danilo Ramalho, que é professor de turismo na UNG e diretor-executivo do GRU Convention
Em 2015 escrevi um artigo para a AAPAH (Associação dos Amigos do Patrimônio e Arquivo Histórico) chamado “A peleja do turismo em Guarulhos”. Dos textos que fiz este foi um dos que mais repercutiram pois nele haviam ali críticas ao governo da ocasião, no caso as gestões desastrosas do PT. Anos depois, em 2018, este mesmo artigo fora publicado e um alto secretário imediatamente ligou para o presidente do GRU Convention, que por sua vez chamou minha atenção: como eu poderia fazer uma crítica tão grave ao governo sendo que estamos construindo projetos/parcerias? Passado o nervosismo, um ímpeto um tanto frequente daquele alto secretário, esclareci que não se tratava do governo Guti, mas apenas que o portal na época sem nenhuma intenção republicou um texto meu que se referia ao governo anterior, bastava um “google” para comprovar.
Nessa pequena experiência de política de Guarulhos percebi o quanto as autoridades são sensíveis a crítica, como se fosse um grande tabu ou houvesse algum grande interesse difuso por trás disso.
Sou professor de turismo e faço parte de uma entidade mercadológica cujo único interesse é a promoção da cidade de Guarulhos para fomentar a vinda e a permanência de visitantes. Minha proximidade com o governo local se dá pela confluência de interesses e as vezes se confunde com apoio a ideologia local. Na minha limitada atuação pelo GRU Convention o que almejamos é a execução dos projetos em turismo e buscando o mesmo objetivo, conseguimos caminhar juntos.
Nossa parceria é com o órgão municipal de turismo desta forma conseguimos realizar grandes ações conjuntas e que trouxeram resultados a nossa cidade. São exemplos: o projeto #agoraéPraça, o Guia 100 Lugares, o mapa oficial, a pesquisa hoteleira, o fórum MICE, a marca da cidade, enfim vários projetos em que o nosso CNPJ caminhou junto com o da Prefeitura. Sem receber recursos públicos diretamente conduzimos experiências proveitosas.
Sobre qualquer governo é possível elencar ações positivas, construir agendas conjuntas e ao mesmo tempo ser livre para fazer críticas para ajustar o rumo da gestão; é normal, é necessário, é salutar. Como membro do Conselho Municipal de Turismo ainda que representando uma cadeira específica diria que a crítica e o apontamento de solução é um dever.
Se o turismo de Guarulhos fosse um ser humano diria que estamos na fase daquele “adolescente inconformado”. Já temos um histórico: um corpo formado; temos vitalidade: uma economia em transformação; mas ainda temos o temperamento desse jovem: criticamos sem saber onde queremos chegar e não amadurecemos a atividade turística.
O turismo começa no planejamento e estas tentativas ao longo dos anos foram frustradas. Vou resgatar aqui este histórico. A primeira tentativa de planejamento foi via governo federal com o PDTIS (Plano de Desenvolvimento Integrado do Turismo Sustentável) em 2012. Guarulhos investiu quase 1 milhão de reais para ter um projeto de longo prazo do turismo, um plano para 20 anos da atividade. O PDTIS é um calhamaço de 200 páginas com diagnóstico, propostas, ações com financiamento do BID em mais de 50 milhões de dólares em investimento. Sem dúvidas uma grande conquista só relegada a capitais e estados. O PDTIS teve ações executadas como por exemplo a construção de um terminal rodoviário, a pavimentação do bairro e construção do Balneário Água Azul, padronização dos taxis, compra de veículos e computadores, além de cursos e oficinas para o fortalecimento institucional do Departamento de Turismo. Mesmo com a ousadia e caminhos bem construídos a própria Prefeitura não foi capaz de dar sequencia devido a erros de concepção de projeto, CNPJ negativado, verbas devolvidas, falta de articulação intra-secretarias.
Com um novo governo o diagnóstico foi preterir o PDTIS e apostar em Guarulhos se tornar um MIT Município de Interesse Turístico, um programa do governo do estado de São Paulo para financiar cidades turísticas. É aqui que entra minha primeira crítica a gestão. Porque não aproveitar todo o histórico construído, o trabalho investido, a articulação com o governo federal e ver o que seria possível aproveitar desta porta de 50 milhões de dólares. Estava previsto no PDTIS a construção do Centro de Convenções na cidade, projeto tão esperado pelo mercado. Sei que houveram muitos entraves, dificuldades, erros do projeto, sei que verbas foram inclusive devolvidas por má concepção do projeto, mas este debate não foi feito abertamente com a sociedade, a mesma que aprovou o PDTIS em audiência pública.
Nessa primeira gestão Guti um novo esforço foi feito e sem gastar recursos utilizando os próprios técnicos da casa a Prefeitura de Guarulhos conclui seu Plano Diretor para o MIT (Município de Interesse Turístico). Dois anos de trabalho e em 2020 veio a negativa, Guarulhos não foi habilitada para ser um município MIT, portanto sem verbas estaduais para o desenvolvimento.
As justificativas apresentadas pelo Governo do Estado são esdrúxulas: como a falta de uma tabela no gráfico, não considerar o Bosque Maia como atrativo entre outras detalhes e minúcias técnicas que mostram que há mais lobby político do que análise técnica por parte do governo estadual. O fato do governador Doria não estar alinhado politicamente com o prefeito de Guarulhos nos deixará nessa zona mesquinha de exclusão. Até quando a cidade vai ficar refém do interesse político? Onde estão os deputados estaduais defendendo a cidade?
Queria poder detalhar mais esses motivos mas este é outra crítica que faço ao governo em geral, falta transparência. Não temos um mecanismo hoje eficiente de prestação de contas a fim de saber cada detalhe das operações de governo, o site da transparência da Prefeitura é indecifrável para leigos. Afora quem faz parte do conselho municipal não saberíamos estas situações que relatei aqui.
A gente sabe que a cidade arrecada aproximadamente R$ 78 milhões anuais em ISS turístico e temos um departamento de turismo com gastos de R$ 200 mil anuais, praticamente 80% ligado a folha de pagamento. Ainda que a cidade tenha um diretor de Turismo técnico, com vontade e muita garra, foi o que eu vi tanto em Josefa Leôncio quanto Ricardo Balcone, isso não é suficiente. Será que nossos recursos estão retornando em resultado efetivo? Estamos tendo incremento de turistas? Imagem de destino? Arrecadação? A sociedade deveria cobrar mais e saber mais como é o gasto público e essa transparência ajudaria melhorar o status quo. O que falta são as cadeiras de cima se mexerem mais para isso, mas explico adiante.
O debate do turismo não é iníquo. É claro que há duas questões relevantes a serem consideradas principalmente herdadas da era PT. Uma é a crise fiscal, como Guarulhos acumuluou dívidas irresponsáveis? Como a Câmara Municipal de Guarulhos que tem a obrigação de fiscalizar o orçamento, deixou que a cidade chegasse nesse ponto? É inacreditável termos dívidas de bilhões, maiores que dívidas de estado.
É inacreditável Guarulhos não ter pago a conta para a Sabesp ficando sem saída a não ser entregar a troco de água todo nosso investimento em abastecimento. Como pode uma cidade ainda sem saneamento básico? Enfim, a complexidade e volume dos problemas urbanos são enormes e por isso o turismo que tem grande potencial de alavancar tanto a economia quanto a autoestima dos guarulhenses acaba sendo encarado como pauta menor.
Outra questão relevante é que estamos numa pandemia, todo o debate será prejudicado culpando o vírus por toda a desgraça de orçamento. Será mesmo? Quem assistiu as enfadonhas votações de Lei de Diretrizes Orçamentárias no final do ano constatou que a diferença é mínima dos gastos de 2020 e 2021. A pergunta é, será que estamos gastando bem?
O que ainda precisa ser feito é pararmos de ser adolescentes e tratar o turismo como atividade séria, a quinta contribuição do PIB municipal o turismo é uma atividade intrinsicamente ligado a vocação da cidade, que é a logística. É preciso diálogo permanente e transparente com o setor: empresários de bares e restaurantes; os meios de hospedagem; comerciantes de Shopping, Outlets; taxistas, motoristas de aplicativo; organizadores de eventos; imprensa, enfim toda a cadeia econômica do turismo.
Nossas secretarias precisam ser mais transparentes e nossos secretários com mais vontade em procurar o diálogo. Além disso a cidade só irá se transformar e crescer pelo turismo quando tiver sua capacidade de realizar ações e não ficar apenas no planejamento: um bom plano não traz resultado algum se não for realizado.
Em julho deste ano publiquei no Youtube cinco vídeos com a temática “o que um prefeito precisa saber para desenvolver o turismo no município”. Chegamos ainda a entregar um plano para cada candidato a prefeito sobre o que ele precisa fazer nos próximos quatro anos. Conversando semana passado com o Diretor de Turismo vi alinhamento, vontade e esforço em muitas ações. Mas repito, está na hora de acordar o prefeito, secretários afetos, presidente da Câmara e vereadores.
O mercado faz a sua parte tentando sobreviver, gerando empregos e impostos, mas nossas autoridades precisam primeiro se qualificar ao debate e estar dispostas a desenvolver nosso legado. Uma simples viagem a destinos exemplares no Brasil e no mundo já seria suficiente, próximo passo é ação ao invés do discurso. Ou nossas autoridades comecem a tratar o turismo a sério ou continuaremos a viver sobre a mediocridade; assistindo cidades ao nosso redor inovando e tirando a competitividade de Guarulhos.