Quando abordou o prefeito Guti, na manhã de segunda-feira (17), em uma live no Facebook, Eloise Ghion Pires não imaginava que seu ato ganharia tantas proporções. Ela chamou o prefeito de “assassino”. A transmissão foi interrompida. À noite, ela se desculpou pela palavra utilizada, mas insistiu que se sente injustiçada com o que lhe aconteceu. O GRU Diário conversou com uma pessoa próxima a ela, que pediu para não ser identificada, e descobriu a sua história.
Casada e mãe de três filhos, Eloise tinha uma vida feliz até um trágico acidente. Em 2016, uma mulher passou o sinal vermelho e bateu no carro em que eles estavam. O pequeno Miguel, de apenas sete meses, teve ferimentos na cabeça e ficou com sequelas neurológicas muito graves. O Hospital Geral de Guarulhos (HGG), no Parque Cecap, considerou que o garoto teve morte encefálica e orientou a família a fazer doação de órgãos.
Eloise não aceitou a situação e nem o diagnóstico. Lutou para que seu filho fosse transferido para o Hospital Samaritano, em São Paulo, para ter uma segunda opinião. Com muito esforço, a transferência foi autorizada e, de fato, o bebê não estava em morte cerebral, apesar do estado grave.
Com um quadro complexo de epilepsia e convulsões, um neurologista orientou Eloise a usar canabidiol na criança, com base em estudos já realizados em outros casos. O medicamento à base de maconha é caro e não tem regulamentação pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
Sem condições de bancar o tratamento, Eloise conseguiu uma liminar na Justiça no final de 2018 que obrigava a Prefeitura de Guarulhos a bancar as doses do medicamento para Miguel. No entanto, neste ano, o governo municipal conseguiu derrubar a liminar. Ela tentou recorrer, mas sem êxito.
Ainda assim, Eloise não desistiu da vida do seu filho. Fez vaquinhas com os amigos, bingos, e conseguiu comprar algumas doses. Mas os danos neurológicos estavam avançados. Em 3 de setembro de 2019, infelizmente, Miguel teve uma forte crise e morreu com uma parada cardiorrespiratória.
Guti e Eloise se encontraram novamente na noite de segunda-feira, na Prefeitura. Ela pediu desculpas por tê-lo chamado de assassino, enquanto ele lamentou o ocorrido com a família dela e prometeu verificar com a Secretaria Municipal de Saúde o motivo da interrupção do tratamento de Miguel. Em um longo post no Facebook, Eloise destaca que não quer tratar da morte do filho como bandeira política.
É interessante observar que quando Eloise chamou Guti de assassino, não o estava fazendo ao cidadão Gustavo Henrique Costa (nome do prefeito). Naquele momento, Guti representava toda uma sociedade (governos, entidades e população) que não se compromete a lutar por um trânsito seguro e aceita milhares de acidentes com sequelas anualmente, que tem uma saúde pública ineficiente – como o HGG (administrado pelo Governo do Estado) que constatou morte cerebral em seu filho -, uma Anvisa (Governo Federal) omissa diante dos estudos para uso medicinal no canabidiol, apesar das indicações médicas, um sistema Judiciário que não olha a vida humana. Uma sociedade, realmente, assassina.